Atualmente, o tema de maior repercussão no serviço público é o Regime de Previdência Complementar, ante a obrigatoriedade de sua instituição pelos entes federativos, em obediência ao prazo definido pela Emenda Constitucional n. 103/2019. Interessante, por conta da obrigatoriedade e prazo para tal, situação contrária aos Regimes Próprios de Previdência Social frente a sua evolução Constitucional (cuja criação está proibida pela então EC n. 103/2019).
Respeitando-se a história da Previdência Social no Brasil (Caixas, Institutos de Previdência, até a formação do INSS sendo administrada pelo Estado Público de Direito), os RPPS’s passaram a ter maior destaque no texto Constitucional a partir da Constituição Federal Republicana de 1988, vigente até a presente data com todas as reformas e alterações realizadas via Emenda. Contudo, em nenhuma Emenda Constitucional, foi possível previr claramente a obrigatoriedade da CRIAÇÃO de RPPS nos entes federativos. Sabe-se que a Constituição Federal determinou a obrigatoriedade de unidade gestora única (quando já criado o RPPS), contudo, não temos a obrigatoriedade na criação dos RPPS’s (mesmo diante de divergências doutrinárias).
Por sua vez, vimos que a EC n. 103/2019 foi clara em definir a obrigatoriedade na instituição de um novo regime previdenciário, o Regime de Previdência Complementar – RPC, e ainda definiu prazo para criação, situação rompante em relação aos RPPS’s, que por meio da EC 103/2019 vedou a instituição de qualquer RPPS.
Sobre o tema, merece uma maior atenção a análise, constitucionalmente falando, que os direcionamentos/regulamentos aos RPPS’s foram trazidos de forma gradual, sendo regulamentado, sem que houvesse a devida técnica e conhecimento na redação da Constituição Federal. Apenas se limitando aos benefícios previdenciários.
Porém, após a promulgação da CF/88 já se verificava que a relação dos RPPS e seus segurados deixava de ser tão somente retributiva, sendo estabelecido a necessidade de contribuições previdenciárias, seja pela EC n. 03/1993 e a ratificação do princípio contributivo pela EC n. 20/98, sacramentando a natureza contributiva. Clarividente que após publicação da EC n. 20/1998 propiciou a evolução dos RPPS existentes até a presente data.
Em 1998, temos mudanças drásticas e impactantes nos RPPS’s, sendo estabelecido dentre as várias alterações, uma nova visão de gestão com maior conhecimento técnico. A restrição do público alvo dos RPPS’s visou melhor adequação financeira e atuarial, e a inovação das normas básicas, até então previstas no artigo 40 da Constituição Federal (com redação dada pela EC n. 20/98) e na Lei 9.717/98, permitindo um funcionamento lastreado na técnica e no embasamento jurídico. Deixando de lado questões simplesmente volitivas de gestores dos entes federativos, passando a tratar de forma sólida nos embasamentos jurídicos editados.
A Emenda Constitucional n. 20/98, lembrada por muitos em razão da aplicação do caráter contributivo, a contagem de tempo contributivo para preenchimento dos critérios aposentatórios, estabelecimento de idade mínima para permanência no serviço público, e demais critérios para preenchimento no direito de aposentadoria. Situação esta, extremamente inovadora para o momento vivido à época.
Alguns doutrinadores alegam que as mudanças foram sensíveis, porém se analisarmos de forma geral, o ano de 1998 foi um marco importante para os RPPS’s, dando uma nova forma de configuração e ainda definindo critérios mais rígidos na concessão de benefícios, o que indica a necessidade de prolongar a permanência de servidores em atividade, para permitir a percepção de contribuições previdenciárias pelo RPPS por maior período. Já se visualiza formas criadas para preservar a “solvência” dos RPPS’s, que já demonstravam indícios de desequilíbrio financeiro e atuarial.
Por esta mesma Emenda Constitucional, a Previdência Privada formada por um sistema complementar e facultativo de seguro, de natureza contratual, cuja finalidade era suprir a necessidade de renda adicional, por ocasião da inatividade, sendo administrada pelas entidades abertas com fins lucrativos ou por entidades fechadas, sem fins lucrativos. Suas normas básicas contidas na própria CF/88, e posteriormente regulamentado pelas Leis Complementares nºs 108 e 109/2001.
A figura do “Regime de Previdência Complementar” surgiu no intuito de, em tese, equilibrar a previdência no serviço público, pois a implementação de tal regime pelo ente federativo limitaria os proventos dos servidores efetivos vinculados aos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) ao teto máximo do INSS, e a parte excedente a esse limite, para que quem ganhasse mais, ficasse por conta desta “Previdência Complementar”. Veja abaixo o que dispunha os parágrafos 14 e 15, do artigo 40, da Constituição Federal, incluídos pela EC n. 20/98:
- 14 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. (Incluído pela EC nº 20/1998).
- 15 – Observado o disposto no art. 202, lei complementar disporá sobre as normas gerais para a instituição de regime de previdência complementar pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo. (Incluído pela EC nº 20/1998)
Pela redação dada pela EC n. 20/1998, o § 15 no artigo 40 da Constituição Federal, dispunha que Lei Complementar trataria sobre as normas gerais para a instituição do Regime de Previdência Complementar.
Assim, foi editada a Lei Complementar n. 108, de 29/05/2001 – DOU de 30/05/2001, para atender ao contido neste parágrafo 15, da CF/88. Esta Lei dispõe sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência complementar, e dá outras providências. Com o advento dessa Lei, as normas gerais para a instituição do Regime de Previdência Complementar foram postas.
Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 41/2003 manteve a mesma redação do § 14 e deu nova redação ao § 15, do artigo 40:
- 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. (Redação dada pela EC 41/2003)
Pelo exposto, podemos concluir que naquele momento, somente os entes federativos, com servidores titulares de cargos efetivos, que se mantiveram dentro da essência do artigo 40 e seus parágrafos, da Constituição Federal, detentores de regimes próprios de previdência, poderiam instituir seus Regimes de Previdência Complementar, no qual possuía caráter totalmente facultativo, sem que houvesse obrigatoriedade para criação.
De outra banda, vemos que as medidas aplicadas, já iniciava a saga pela sustentabilidade de seus RPPS’s, por conseguinte em 2003, a Reforma da Previdência foi complementada pela EC n. 41, pôs fim à integralidade e da paridade entre servidores ativos e inativos; fixou o abono de permanência e a contribuição previdenciária para os servidores inativos, dentre outras mudanças.
A alteração impactante promovida pela Emenda Constitucional n. 41/2003 foi o cálculo dos benefícios pela média aritmética, dando fim a integralidade e também finalizando a forma de reajuste pela paridade (ainda que as regras de transição das EC n. 41/2003; 47/2005 e 70/2012 tenham garantido os referidos direitos para os servidores que já haviam ingressado no serviço público até 31 de dezembro de 2003). Sem esquecermos que a instituição da contribuição previdenciária dos servidores inativos foi o tema com maior desgaste na Administração Pública.
Em suma, a Constituição Federal gradativamente vem restringindo os direitos dos servidores públicos, com uma visão social e financeira, cuja a finalidade é garantir a sustentabilidade dos RPPS’s, e, garantindo essa sustentabilidade, garantem a permanência mínima dos direitos, bem como as medidas que visam um equilíbrio financeiro e atuarial dos Regimes Próprios de Previdência Social, que em conformidade com as leis, padrões éticos, regulamentos internos e externos permitem a blindagem dos recursos previdenciários para utilização correta.